dezembro 17, 2011

Meus últimos meses, postagem de Legião Urbana, meus estresses*


Não sei se estresses escreve-se como está no título do post, sério... Não sei, por isso que gosto do Google Chrome, ele diz quando estamos errados. Se houver erro, por favor, alguém me avise. ^^
Ah, eu nunca mais postei... Além da preguiça, eu não sabia o que dizer, tava bem complicado aqui dentro, achar algo em meio tantas coisas confusas estava - está - sendo difícil, não é à toa que esta postagem não tem cunho artístico, rsrs.
Agora tenho escrito mais composições, trechos, coisas como "musiquinhas"; coisas, digamos, impublicáveis. Impostáveis, talvez (rsrs).
Arghh! Que estresse esses dias, vestibular, neh?! Coisa complicada. Mas, tipo, estaria melhor se não tivesse errado na minha inscrição pra UERN, mesmo... Enfim, agora, se eu não passar, só próximo ano. :( Triste espera. Já começo a estudar segunda... Vê se me desestresso....
Sobre minhas últimas semanas, sou deputada mirim da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte. É só colocar meu nome no Google, que aparece reportagens - a mesma, eu acho, rsrs - sobre mim. Minha primeira atuação na Assembleia foi dia 12, segunda-feira, e falei bastante na Tribuna. Se conseguir os vídeos, posto no blog. Ah... Sobre o que falei... Vejamos... Sim, acho que parecia uma comunista, citei Djalma Maranhão: "De pés no chão também se aprende a ler." Falei da China e sua superioridade em  relação a nós quanto ao assunto, pois lá muitos estudam, até nas províncias mais pobres, e, mesmo sob condições precárias, o ensino é de qualidade.
Enfim... Falei até de João Goulart, ou seja... daqui a pouco serei tachada de "comunista, comunista" .
Foi muito legal, descobri projetos incríveis com os meus colegas deputados. Um deles, em especial, tem a pretenção de ajudar a scomunidades quilombolas do estado, muito massa mesmo. Se conseguir o projeto, publicu-o no blog.
Ah, quanto à Legião... Poxa, tem um post bem velho, bem antigo... um que fiz quando trinha 13 anos e publiquei no blog, foi uma interpretação infantil de uma música de Renato Russo, não tem quase nada escrito, mas muita gente critica e comenta... Queria dizer pra essas pessoas que é só um pensamento de uma recém adolescente, nao é preciso dar tanta importância.
Ah, depois eu posto mais fotos dos deputados na Assembleia.



novembro 06, 2011

Detalhes passados sobre coisas passadas


Eu faço como as pessoas: não escolho algo para olhar, eu passo o olhar sobre tudo.
Não escolho. O problema é que, talvez, algo tenha me escolhido e eu não dedico a este algo o tempo necessário. Sinto-me na obrigação. Sinto-me na vontade. Não escrevo por necessidade, como tantos, pois nem minhas magoas, alegrias, sei colocar no que escrevo e se coloco é porque a minha consciência – mesmo aos quinze anos – já me prega peças.
Eu sou o inevitável calar de bocas, sentidos e sentimentos. No entanto, sou aquela que fala, fala, sente, sente, toca.
Não me entrego, nem me devoto, mas amo. Amo as palavras não como quem ama alguém, mas como quem ama o próprio mundo.


02/01/2010



Escrevi por causa do meu conto A árvore e Lúcia.

PS. Tenho, hoje, 17 anos.

setembro 24, 2011

Poema do amor comum



Mãos enlaçadas 
Mãos no vidro 
no apartamento 
ar quente da boca
que respira ofegante 
marca a vidraça da janela 
Lá fora poucas pessoas passam 
e algumas observam o amor...
quem ama sabe bem do 
calor das faces 
que se procuram
na escuridão
Mãos enlaçadas
corpos suados
molhados... 
A tempestade bate à janela
e, como se a natureza fosse uma coisa só, 
os corpos se amam – tempestuosamente 
Até até até 
O despontar da aurora 
O cheiro de amor rondando 
A neblina … o pouco Sol que já procura os amantes...
está com inveja da lua
acha que os corpos se amam mais de madrugada...
e que não vão se amar pela manhã
Mas, de manhã, o casal se procura, se reconhece...
(acende-se a chama)
pra fazer feliz o Sol 
que se aquece do calor dos amantes...
Inclinam-se os corpos... 
Faz-se a manhã...
para um dia em que os astros
celebram os signos vários 
da natureza bem-acabada 
do amor dos seres 
que ocupam no espaço 
o mesmo lugar. 

agosto 04, 2011

Clarisse - Legião Urbana


Estou cansado de ser vilipendiado.incompreendido e descartado
Quem diz que me entende nunca quis saber
Aquele menino foi internado numa clínica
Dizem que por falta de atenção dos amigos,das lembranças
Dos sonhos que se configuram tristes e inertes
Como uma ampulheta imóvel,não se mexe,não se move
Não trabalha
E clarisse está trancada no banheiro
E faz marcas no seu corpo com seu pequeno canivete
Deitada no canto,seus tornozelos sangram
E a dor é menor do que parece
Quando ela se corta ela se esquece
Que é impossível ter da vida calma e força
Viver em dor,o que ninguém entende
Tentar ser forte a todo e cada amanhecer
Uma de suas amigas já se foi
Quando mais uma ocorrência policial
Ninguém entende,não me olhe assim
Com este semblante de bom samaritano
Cumprindo o seu dever,como se eu fosse doente
Como se toda essa dor fosse diferente,ou inexistente
Nada existe pra mim,não tente
Você não sabe e não entende
E quando os antidepressivos e os calmantes não fazem mais efeito
Clarisse sabe que a loucura está presente
E sente a essência estranha do que é a morte
Mas esse vazio ela conhece muito bem
De quando em quando é um novo tratamento
Mas o mundo continua sempre o mesmo
O medo de voltar pra casa à noite
Os homens que se esfregam nojentos
No caminho de ida e volta da escola
A falta de esperança é o tormento
De saber que nada é justo e pouco é certo
E que estamos destruindo o futuro
E que a maldade anda sempre aqui por perto
A violência e a injustiça que existe
Contra todas as meninas e mulheres
Um mundo onde a verdade é o avesso
E a alegria já não tem mais endereço
Clarisse está trancada no seu quarto
Com seus discos e seus livros,seu cansaço
Eu sou um pássaro
Me trancam na gaiola
E esperam que eu cante como antes
Eu sou um pássaro
Me trancam na gaiola
Mas um dia eu consigo existir
E vou voar pelo caminho mais bonito
Clarisse só tem quatorze anos

Espelho ou Caixa de Pandora


Picasso



Um dia um menino perguntou para outro menino:
- Já pensou se um dia o espelho resolvesse dizer a verdade?
E o outro menino respondeu:
- Ele já diz, mostra quem somos. 
- Não, você não entendeu... Já pensou se um dia o espelho nos descobre, diz quem somos... Já pensou se um dia ele conta nossos segredos? Nossas histórias na frente do espelho? Nossas conversas ensaiadas e nunca ditas? Já pensou?
- Não. Nunca pensei. Mas uma coisas é certa: todos os espelhos seriam quebrados. Há verdades que devem ser interiores mesmo.



julho 27, 2011

Mini crônica - Nua pela cidade


Eu estava nua andando pela cidade, passei pelo barzinho do seu Wilson e disse um sorridente e costumeiro olá e ele me olhou normalmente dizendo: “tudo bem, Ná?” “Tudo em cima, Seu Wilson! Como vai a Dona Vanda?” disse. “Tudo em paz com ela, minha flor.” Sorri e continuei minha caminhada nua. Percebam que eu disse caminha nua e não nua caminha, portanto, não achem que toda essa nudez está no sentido metafórico. Longe de mim estavam as metáforas, mas... metaforizando, estava nua de tudo mesmo. 'Nuíssima'. Erradamente nua, mas era certo. Explicarei o porquê.
Minha nudez estava certíssima, não porque todos ao meu redor estavam nus, mas, sim, porque todos olhavam-me como se nada de errado estivesse  fazendo. Não era bem uma coisa certa, nem normal – pois norma certamente não seguia, já que todos estavam vestidos –, porém em momento algum as pessoas ligavam para minha nudez e não era por estarem todos muito ocupadas, afinal sempre há aquelas pessoas que por  ausência de vida, preocupam-se com a alheia, respiram o ar alheio, ouvem os sons  destinados a outros ouvidos.... Enfim, até aqueles que estão aí para tudo, não estavam aí para mim.
Ai, mas quão tranquila estava eu a caminhar, disse oi para Dona Expeditina, que colocava um bolo na janela para esfriar... e ela me disse: "É de fubá, Ná, seu preferido, depois vem cá pegar um pedaço! Sim, o Pedrinho mandou perguntar se você está livre no domingo à tarde pra ensinar pra ele português, tadinho, tá com nota baixa na matéria. Respodi: “Sim, estou livre, venho à tarde ensinar a ele.” “Obrigada, Ná, não se esqueça do bolo, viu, venha antes que acabe.” “E eu lá vou esquecer de comida, Dona Expeditina!”
Continuei meu passeio pela minha cidade, falando com os meus conhecidos, passando por lojas... Continuei  e ninguém se importava com minha nudez. Ninguém. Ah... Nem eu me importava, era para mim muito normal não estar vestida.
Acordei, era sonho é claro, vocês já deveriam ter previsto. Mas que sonho estranho esse, minha nudez não era metafórica, estava nua mesmo e não se importavam com isso... Tinha que ser sonho mesmo... quando é que vão deixar de se importar com os outros? Neste mundo, sobrevivência é uma questão de imitação. Quem não segue a norma, normal não é.
No sonho, pelo menos, não fui para o hospício.

Crônica - O Brasil dos que não são vistos

30-04-2011 

Eu conheço alguém que costuma dizer: deve-se  criticar mesmo os políticos, pois se eles acertam, não fazem mais do que a obrigação. Não tenho que ficar agradecido por determinados avanços nem regalias.
Mas e aí? O que será mesmo correto? Criticar é a melhor opção?, criticar somente é a melhor opção? Ou não, criticar somente não é correto, é necessário ver também os acertos. Mas por que vemos os acertos? Por que se diz: Fulano foi ótimo, foi por causa dele que eu passei a comprar, tenho uma geladeira, um fogão e até um micro-ondas, onde que ia pensar que teria um micro-ondas? 
Comprar é deveras muito importante. Desenvolver o mercado interno do país é ótimo, não foi assim que superamos a crise? Mas isso não é o suficiente. Há coisas que muitos não veem. Muitos. Coisas assim, simplíssimas. Saneamento é uma delas, por que isso não é considerado tão importante? Para os poucos cidadãos que se questionam sobre tal assunto, tenho-lhes uma resposta – que provavelmente vocês poucos já devem ter pensado – não se vê! Saneamento não é uma ponte, saneamento não é pobre comprando, a gente não passa numa rua e diz: essa rua é saneada! Mas se alguém constrói uma ponte, se alguém arrumou uma rodovia – mesmo que esta vá esburacar em dois tempos – , certamente nós, cidadãos, nos lembraremos de quem fez a ponte, de quem melhorou visivelmente as nossas vidas. Também há o pobre que tem um maior poder de compra, vota no político que possibilitou isso para ele. E como não votaria? É claro que quando se melhora a situação financeira, continua-se querendo melhorá-la. Óbvio! Por qual motivo eu votaria em alguém que não fez nada para mim? Ora, se eu posso votar em alguém que fez! Ótimo então! 
Agora, voltando ao saneamento.. E aí? Não é importante? No O Globo de hoje, vi a foto de um casal de Recife que vive numa “casa” sem água e sem esgoto, ah... a luz é clandestina e só foi adquirida este ano. E aí? Eles estão de baixo de uma ponte. Acho que ninguém nunca viu. Político nenhum passou por lá. 
Falar bem? Isso cultural. Não é para falar bem não, pois coisas boas não são maravilhosas, elas obrigatoriamente tem de ser feitas. Coisas boas são coisas necessárias. Uma casa. Saneamento. Luz. Água. Educação. Livros. Cultura. Isso é bom realmente, mas é não é só isso, é obrigação. 

julho 13, 2011

Um pedido para blogueiros

Esse post é só pra pedir uma coisinha do do pessoal que posta, tem blog.. 

Gostaria que meus colegas blogueiros ativassem sua versão para Smartphone - já disponível no Blogger -  em seus blogs, facilita muito pra quem vê blogs do celular, é mais rápido e bem melhor pra visualizar. 
;)

junho 05, 2011

Minha emoção é rio; minha razão, oceano.

A minha emoção é rio; minha razão, oceano. 

Weeping Woman - Picasso


Minha emoção se inunda neste continente, se faz, desfaz, beija-se nas matas rebeldes do país, se enterra no chão seco do sertão, é sugada por cactos, serve a animais e plantas, inunda-se, deixa encandear a luz nas bacias amazônicas. Minha emoção é rio com ou sem discurso. Minha emoção é o Velho Chico, mas também está no sul, norte ou centro-oeste. Minha emoção também é sudeste. Minha emoção se perde, se cerca de gente que dela se faz, se cerca de montes e vales, se deixa entregar neste ciclo da vida, faz parte do suor dos outros, faz parte de cada parte. Faz a sua parte em fundir-se ao mundo. Mas, um dia, minha emoção chega ao mar... vasto mar, minha emoção percebe-se derrotada, ou melhor, submissa ao seu destino, vai e se enlaça ao mar-verdade. Maroceano. Perco-a, e assim, cumpro meu curso ao ganhar a razão em seu completo estado da 3ª lei de Newton. Ganho o retorno, entorna-se a emoção no vasto mar. Salgam-se as lágrimas. 

maio 15, 2011

Espaço Aberto - Nova biografia de Fernando Pessoa

A mostra Plural como o Universo e uma nova biografia sobre o Fernando Pessoa revelam detalhes da história de um dos maiores poetas da língua portuguesa.


Migalhas de um casamento, por Fred Vargas

Atenção => para ler o post completo, clique no título do post.  :) 


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"Com 86 anos, a gente tem o direito de começar a viver. Tem noites assim. Noites em que um homem se levanta e age."




Pequenas migalhas de pão iam da cozinha ao quarto, e chegavam até os lençóis limpos em que repousava a velha, morta e de boca aberta. O delegado Adamsberg, indo e vindo a passos lentos ao longo das migalhas, as contemplava em silêncio, perguntando-se que Pequeno Polegar, ou, no caso, que Ogro, as perdera por ali. Era um pequeno e escuro apartamento térreo de três cômodos no 18ºarrondissement de Paris.
No quarto, a velha deitada. Na sala de jantar, o marido. Este aguardava sem impaciência ou emoção, apenas olhando com certa avidez para o jornal, dobrado na página das palavras cruzadas que ele não se atrevia a prosseguir enquanto os tiras estivessem no local. Já tinha contado sua breve história: ele e a mulher tinham se conhecido numa empresa de seguros, ela secretária, ele contador, casaram-se alegremente sem saber que seria por 59 anos. E então a mulher morrera durante a noite. De parada cardíaca, explicara por telefone o delegado do 18º arrondissement. Acamado, ele ligara pedindo a Adamsberg que o substituísse. Faça-me esse favor, é só uma horinha, rotina matinal.
Adamsberg acompanhou uma vez mais a trilha de migalhas. O apartamento estava impecável, poltronas revestidas com encosto de cabeça, as superfícies plásticas polidas, os vidros sem manchas, a louça lavada. Remontou até a lata de pão, que continha meia baguete e, envolto num pano limpo, um naco grande de pão sem o miolo. Voltou para junto do marido, puxou uma cadeira para perto de sua poltrona.
 – Nenhuma boa notícia hoje – disse o velho, tirando os olhos do jornal. – Também, esse calor põe os temperamentos em ebulição. Mas aqui no térreo, dá para manter um ar mais fresco. Por isso é que deixo as venezianas fechadas. E dizem que também é bom tomar muito líquido.
– O senhor não se deu conta de nada?
– Ela estava normal quando fui deitar. Como era cardíaca, eu sempre dava uma olhada. Só agora de manhã percebi que tinha se finado.
– Tem umas migalhas de pão na cama dela.
– Ela gostava. De dar uma beliscada. Um pedacinho de pão ou torrada na cama, antes de dormir.
– Imaginei que ela limpasse os farelos todos depois de comer.
– Quanto a isso, nenhuma dúvida. Ela limpava da manhã à noite como se essa fosse sua razão de viver. No começo, não era tanto. Mas, com o passar dos anos, virou uma obsessão. Ela seria capaz de sujar só para poder lavar. O senhor tinha que ver. Mas também, pobrezinha, assim se mantinha ocupada.
– Mas e o pão? Ontem à noite ela não limpou?
– É claro que não, porque fui eu que levei o pão para ela. Estava fraca demais para levantar. Ela até me mandou tirar os farelos, mas eu realmente não ligo para essas coisas.Ela teria limpado no dia seguinte. Ela virava o lençol todo dia. Para quê, ninguém sabe.
– Quer dizer que o senhor levou o pão para ela na cama, e depois guardou de volta na lata.
– Não, joguei no lixo. Estava muito duro, ela não conseguia comer. Levei uma torrada para ela.
– O pão não está no lixo, está na lata.
– Sim, eu sei.
– E está sem o miolo. Ela comeu o miolo?
– Não, delegado, caramba! Por que ela iria se empanturrar de miolo? Miolo de pão duro? O senhor é delegado, não é?
– Sou. Jean-Baptiste Adamsberg, Brigada Criminal.
– Por que não veio a polícia do bairro?
– O delegado está de cama com essa gripe de verão. E a equipe dele estava indisponível.
– Estão todos gripados?
– Não, houve uma briga na noite passada. Dois mortos e quatro feridos. Por causa de uma lambreta roubada.
– Que terrível. Também, com esse calor, os miolos ficam fervendo. Eu sou Julien Tuilot, contador aposentado da empresa ALLB.
– Sim, já anotei.

abril 24, 2011

O delírio - Machado de Assis




O DELÍRIO

Machado de Assis


Vladimir Kush 



Que me conste, ainda ninguém relatou o seu próprio delírio; faça-o eu, e a ciência mo agradecerá. Se o leitor não é dado à contemplação destes fenômenos mentais pode saltar o capítulo; vá direto a narração. Mas, por menos curioso que seja, sempre lhe digo que é interessante saber o que se passou na minha cabeça durante uns vinte a trinta minutos.
Primeiramente, tomei a figura de um barbeiro chinês, bojudo, destro, escanhoando um mandarim, que me pagava o trabalho com beliscões e confeitos; caprichos de mandarim.
Logo depois, senti-me transformado na Suma Teológica de S. Tomás, impressa num volume, e encadernada em marroquim, com fechos de prata e estampas; idéia esta que me deu ao corpo a mais completa imobilidade; e ainda agora me lembra que, sendo as minhas mãos os fechos do livro, e cruzando-as eu sobre o ventre, alguém as descruzava (Virgília decerto), porque a atitude lhe dava a imagem de um defunto.
Ultimamente, restituído à forma humana, vi chegar um hipopótamo, que me arrebatou. Deixei-me ir, calado, não sei se por medo ou confiança; mas, dentro em pouco, a carreira de tal modo se tornou vertiginosa, que me atrevi a interrogá-lo, e com alguma arte lhe disse que a viagem me parecia sem destino.
— Engana-se, replicou o animal, nós vamos a origem dos séculos.
Insinuei que deveria ser muitíssimo longe; mas o hipopótamo não me entendeu ou não me ouviu, se é que não fingiu uma dessas coisas; e, perguntando-lhe, visto que ele falava, se era descendente do cavalo de Aquiles ou da asna de Baleão, retorquiu-me com um gesto peculiar a estes dois quadrúpedes: abanou as orelhas. Pela minha parte fechei os olhos e deixei-me ir à ventura. Já agora não se me dá de confessar que senti umas tais ou quais cócegas de curiosidade, por saber onde ficava a origem dos séculos, se era tão misteriosa como a origem do Nilo, e sobretudo se valia alguma coisa mais ou menos do que a conformação dos mesmos séculos: reflexões de cérebro enfermo. Como ia de olhos fechados, não via o caminho; lembra-me só que a sensação de frio aumentava com a jornada e que chegou uma ocasião em que me pareceu entrar na região dos gelos eternos. Com efeito, abri os olhos e vi que o meu animal galopava numa planície branca de neve, com uma ou outra montanha de neve, vegetação de neve, e vários animais grandes e de neve. Tudo neve; chegava gelar-nos um ar de neve. Tentei falar, mas apenas pude grunhir esta pergunta ansiosa:

— Onde estamos?

— Já passamos o Éden.

— Bem; paramos na tenda de Abraão.

— Mais se nós caminhamos para trás! redargüiu montejando a minha cavalgadura.

Fiquei vexado e aturdido. A jornada entrou a parecer-me enfadonha e extravagante, o frio incômodo, a condução violenta, e o resultado impalpável. E depois — cogitações de enfermo — dado que chegássemos ao fim indicado, não era impossível que os séculos, irritados com lhes devassarem a origem, me esmagassem entre as unhas, que deviam ser tão seculares como eles. Enquanto assim pensava, íamos devorando caminho, e a planície voava debaixo de nossos pés, até que o animal estacou, e pude olhar mais tranqüilamente em torno de mim. Olhar somente; nada vi, além da imensa brancura da neve, que desta vez invadira o próprio céu, até ali azul. Talvez, a espaços, me aparecia uma ou outra planta, enorme, brutesca, meneando ao vento as suas largas folhas. O silêncio daquela região era igual ao do sepulcro: dissera-se que a vida das coisas ficara estúpida diante do homem.

Caiu do ar? Destacou-se da terra? Não sei; sei que um vulto imenso, uma figura de mulher me apareceu então, fitando-me uns olhos rutilantes como o Sol. Tudo nessa figura tinha a vastidão das formas selváticas, e tudo escapava à compreensão do olhar humano, porque os contornos perdiam-se no ambiente, e o que parecia espesso era muita vez diáfano. Estupefato, não disse nada, não cheguei sequer a soltar um grito; mas, ao cabo de algum tempo, quer foi breve, perguntei quem era e como se chamava: curiosidade de delírio.

— Chama-me Natureza ou Pandora; sou tua mãe e tua inimiga.

Ao ouvir esta última palavra, recuei um pouco, tomado de susto. A figura soltou uma gargalhada, que produziu em torno de nós o efeito de um tufão; as plantas torceram-se e um longo gemido quebrou a mudez das coisas externas.

— Não te assustes, disse ela, minha inimizade não mata; é sobretudo pela vida que se afirma. Vives; não quero outro flagelo.

— Vivo? Perguntei eu, enterrando as unhas nas mãos, como para certificar-me da existência.

— Sim, verme, tu vives. Não receie perder este andrajo que é teu orgulho; provarás ainda, por algumas horas, o pão da dor e o vinho da miséria. Vives: agora mesmo ensandeceste, vives; e se a tua consciência reouver um instante a sagacidade, tu dirás que queres viver.

Dizendo isto, a visão estendeu o braço, segurou-me pelos cabelos e levantou-me ao ar, como se fora uma pluma. Só então pude ver-lhe de perto o rosto, que era enorme. Nada mais quieto; nenhuma contorção violenta, nenhuma expressão de ódio ou ferocidade; a feição única, geral, completa, era a da impassibilidade egoísta, a da eterna surdez, a da vontade imóvel. Raivas, se as tinha, ficavam encerradas no coração. Ao mesmo tempo, nesse rosto de expressão glacial, havia um ar de juventude, mescla de força e viço, diante do qual me sentia eu o mais débil e decrépito dos seres.

— Entendeste-me? disse ela, no fim de algum tempo de mútua contemplação.

— Não respondi; nem quero entender-te; tu és absurda, tu és uma fábula. Estou sonhando, decerto, ou, se é verdade que enlouqueci, tu não passas de uma concepção de alienado, isto é, uma coisa vã, que a razão ausente não pode reger nem palpar. Natureza, tu? a Natureza que eu conheço é só mãe e não inimiga; não faz da vida um flagelo, nem, como tu, traz esse rosto indiferente, como o sepulcro. E por que Pandora?

— Porque levo na minha bolsa os bens e os males, e o maior de todos a esperança, consolação dos homens. Tremes?

— Sim; o teu olhar fascina-me.

— Creio; eu não sou somente a vida; sou também a morte, e tu estás prestes a devolver-me o que te emprestei. Grande lascivo, espera-te a voluptuosidade do nada.

Quando esta palavra ecoou, como um trovão, naquele imenso vale, afigurou-se-me que era o último som que chegava a meus ouvidos; pareceu-me sentir a decomposição súbita de mim mesmo. Então, encarei-a com olhos súplices, e pedi mais alguns anos.

— Pobre minuto! exclamou. Para que tu queres mais alguns instantes de vida? Para devorar e seres devorado depois? Não estás farto do espetáculo e da luta? Conheces de sobejo tudo o que eu te deparei menos torpe ou menos aflitivo: o alvor do dia, a melancolia da tarde, a quietação da noite, os aspectos da terra, o sono, enfim, o maior benefício das minhas mãos. Que mais queres tu, sublime idiota?

— Viver somente, não te peço mais nada. Quem me pôs no coração este amor da vida, se não tu? e, se eu amo a vida, por que te hás de golpear a ti mesma, matando-me?

— Porque já não preciso de ti. Não importa ao tempo o minuto que passa, mas o minuto que vem. O minuto que vem é forte, jucundo, supõe trazer em si a eternidade, e traz a morte, e parece como o outro, mas o tempo subsiste. Egoísmo, dizes tu? Sim, egoísmo, não tenho outra lei. Egoísmo, conservação. A onça mata o novilho porque o raciocínio da onça é que ela deve viver, e se o novilho é tenro tanto melhor: eis o estatuto universal. Sobe e olha.

Isso dizendo, arrebatou-me ao alto de uma montanha. Inclinei os olhos a uma das vertentes, e contemplei, durante um tempo largo, ao longe, através de um nevoeiro, uma coisa única. Imagina tu, leitor, uma redução dos séculos, e um desfilar de todos eles, as raças todas, todas as paixões, o tumulto dos impérios, a guerra dos apetites e dos ódios, a destruição recíproca dos seres e das coisas. Tal era o espetáculo. A história dos homens e da terra tinha assim uma intensidade que lhe não podiam dar nem a imaginação nem a ciência, porque a ciência é mais lenta e a imaginação mais vaga, enquanto o que eu ali via era a condensação viva de todos os tempos. Para descrevê-la seria preciso fixar o relâmpago. Os séculos desfilavam num turbilhão, e, não obstante, porque os olhos do delírio são outros, eu via tudo o que passava diante de mim, — flagelos e delícias,— desde essa coisa que se chama glória até essa outra que se chama miséria, e via o amor multiplicando a miséria, e via a miséria agravando a debilidade. Aí vinham a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que baba, e a enxada e a pena, úmidas de suor, e a ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor, e todos agitavam o homem, como um chocalho, até destruí-lo, como um farrapo. Eram as formas várias de um mal, que ora mordia a víscera, ora mordia o pensamento, e passeava eternamente as suas vestes de arlequim, em derredor da espécie humana. A dor cedia alguma vez, mas cedia à indiferença, que era um sono sem sonhos, ou ao prazer, que era uma dor bastarda. Então o homem, flagelado e rebelde, corria diante da fatalidade das coisas, atrás de uma figura nebulosa e esquiva, feita de retalhos, um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível, cosidos todos a ponto precário, com a agulha da imaginação; e essa figura, — nada menos do que a quimera da felicidade, — ou lhe fugia perpetuamente, ou deixava-se apanhar pela fralda, e o homem a cingia ao peito, e então ela ria, como um escárnio, e sumia-se como uma ilusão.

Ao contemplar tanta calamidade, não pude reter um grito de angústia, que Natureza ou Pandora escutou sem protestar nem rir; e não sei por que lei de transtorno cerebral, fui eu que me pus a rir, — de um riso descompassado e idiota.

— Tens razão, disse eu, a coisa é divertida e vale a pena, — talvez monótona — mas vale a pena. Quando Jó amaldiçoava o dia em que fora concebido, é porque lhe davam ganas de ver cá de cima o espetáculo. Vamos lá Pandora, abre o ventre, e digere-me; a coisa é divertida, mas digere-me.

A resposta foi compelir-me fortemente a olhar para baixo, e a ver os séculos que continuavam a passar, velozes e turbulentos, as gerações que se superpunham às gerações, umas tristes, como os Hebreus do cativeiro, outras alegres, como os devassos de Comodo, e todas elas pontuais na sepultura. Quis fugir, mas uma força misteriosa me retinha os pés; então disse comigo: - "Bem, os séculos vão passando, chegará o meu, e passará também, até o último, que me dará a decifração da eternidade." E fixei os olhos, e continuei a ver as idades, que vinham chegando e passando, já então tranqüilo e resoluto, não sei até se alegre. Talvez alegre. Cada século trazia a sua porção de sombra e de luz, de apatia e de combate, de verdade e de erro, e o seu cortejo de sistemas, de idéias novas, de novas ilusões; em cada um deles rebentavam as verduras de uma primavera, e amareleciam depois, para remoçar mais tarde. Ao passo que a vida tinha assim uma regularidade de calendário, fazia-se a história e a civilização, e o homem, nu e desarmado, armava-se e vestia-se, construía o tugúrio e o palácio, a rude aldeia e Tebas de cem portas, criava a ciência, que perscruta, e a arte que enleva, fazia-se orador, mecânico, filósofo, corria a face do globo, descia ao ventre da Terra, subia à esfera das nuvens, colaborando assim na obra misteriosa, com que entretinha a necessidade da vida e a melancolia do desamparo. Meu olhar, enfarado e distraído, viu enfim chegar o século presente, e atrás dele os futuros. Aquele vinha ágil, destro, vibrante, cheio de si, um pouco difuso, audaz, sabedor, mas ao cabo tão miserável como os primeiros, e assim passou e assim passaram os outros, com a mesma rapidez e igual monotonia. Redobrei a atenção; fitei a vista; ia enfim ver o último, - o último!; mas então já a rapidez da marcha era tal, que escapava a toda compreensão; ao pé dela o relâmpago seria um século. Talvez por isso entraram os objetos a trocaram-se; uns cresceram, outros minguaram, outros perderam-se no ambiente; um nevoeiro cobriu tudo, - menos o hipopótamo que ali me trouxera, e que aliás começou a diminuir, a diminuir, até ficar do tamanho de um gato. Era efetivamente um gato. Encarei-o bem; era o meu gato Sultão, que brincava à porta da alcova, com uma bola de papel...


O delírio é o capítulo 7 de Memórias Póstumas de Brás Cubas,
de Machado de Assis, publicado em 1881.


Fonte
> 
http://www.rubedo.psc.br/Artlivro/delcubas.htm

abril 13, 2011

Para uma Capitulina


Deixa eu fazer um poema pra ti?  

Tu quando me vês dança 
Minha cigana, 
Por que não me deixa despir?
Não teu corpo, mas tua alma 
Quero saber dos segredos que há aí. 
Me deixa despir...  
Dança, minha cigana 
Dança ao som da música que escolhi para ti.
Ah! Quero saber-te os desejos
Os amores... Vamos... Diga-me 
Ah! Ela só dança ao som da música que escolhi. 
Escapa de minhas mãos 
Corre por entre campos de flores e foge de mim. 
Menina levada, volta aqui.  
Eu ainda vou descobrir
Teu corpo, os segredos, os sonhos... 
esse mundo que você faz questão de cobrir


março 07, 2011

Bruna Surfistinha,profissionais no sexo, preconceito

A primeira vez em que vi o trailer de Bruna Surfistinha, falei horrores, considerava absurdo que um filme sobre a história de uma prostituta por opção fosse para as telas... Achava horrível, uma coisa é contar a estória de Tereza Batista - obra de Jorge Amado - que não teve escolha na vida, que foi mandada para as mãos de um coronel, ainda criança, mas a história de uma menina que teve oportunidades, que não foi obrigada... que podia ter sido o que bem entendesse, ah.. isso não tolerava. Mas, leitores, hoje eu tolero, pois quem sou eu para julgar as escolhes de alguém? Nada. 
Certo, porém se formos parar para pensar - esquecendo Bruna - por que será que existe profissional do sexo? Existe, pois todos temos necessidades sexuais, entretanto o que fazemos, ou melhor, o que alguns de nós faz? julgam. julgam, simplesmente, como se isso fosse errado. Não estou dizendo que é certo um homem - pode ser uma mulher - procurar uma prostituta sendo casado... não, não me parece correto, o problema é o preconceito, pois muitos homens ainda não admitem dar e tirar prazer de sua esposa da forma como eles quiserem, satisfazendo um ao outro, poxa... isso não é legal. Acho que muita gente precisa abrir a cabeça, perceber que parceiro não é apenas para dividir problemas, dinheiro, é para dar e sentir prazer, ficar junto até que a morte os separe não vai resolver os problemas sexuais... Fiquem juntos, mas conversem sobre a sua vida sexual, não fiquem com vergonha, não achem feio nem errado.
Algumas mulheres morrem sem nunca ter tido um orgasmo, muitos, ao ler algo assim... pensam: e daí? Pois, pessoas que pensam isso, acho que prazer é uma coisa séria, todo mundo tem o direito de sentir e se isso for em casa, com o parceiro, os relacionamentos fixos serão melhores. 


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Quanto ao filme, estou achando um pouco chato, estou assistindo a uma hora e vinte minutos, mas... há algo engraçado: um defeito, no que se refere à tecnologia, deixaram a desejar no blog de Bruna... aparece umas letras brancas na tela azul do computador, simplesmente, não há blog... só umas letrinhas, rsrs. 
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Terminado o filme...
Achei, também, que Débora Secco é superior ao filme como um todo, pois o final não é muito legal... Ele se apresenta de uma forma no princípio mostrando situações de um período de tempo curto retratado em grande parte do longa, mas, o final, é retratado às pressas, a ascensão e queda da menina-prostituta é muito rápida, isso é um tanto decepcionante. Mas é atuação da atriz é incrível. 

fevereiro 20, 2011

Lobão em Natal - turnê Elétrico \o/



Estou muito feliz! Lobão estará aqui. ^^ Adoro Lobão, amo o seu jeito irreverente de ser, gosto de suas letras e acho que deveria estar numa melhor posição no cenário de nossa música. Às vezes penso que quando pensamos em música boa... a primeira imagem que nos vem é a de Chico Buarque; claro, é uma bela imagem... Sou louca por Chico e, muitas vezes, sinto uma inveja danada, pois ele tem no seu versificar um bocado de alma feminina, um bocado de alma masculina, um bocado de todo mundo, ou seja, ele coloca em suas músicas várias facetas humanas, vários casos... várias vidas, num lapidar incrível da alma. Há coisa mais bela que isso? Sei que se torna muito difícil comparar Chico com algum outro compositor, muitos acreditam que a comparação só fica cabível se for com Noel Rosa. Ah... Sei que cada um tem sua opinião sobre música... mas, muita gente diz: Noel? Ah... igual a Noel não há!
Sim... voltando a Lobão... Lobão é incrível, não gosto de ver as pessoas dizendo: não gosto de Lobão. Não gosto de Lobão... Ai... Lobão tem uma cara feia, um ar arrogante... Talvez, Lobão tenha sido o próprio causador dessa imagem rude que foi criada, entretanto julgá-lo apenas por ele ter fumado "drogas ilícitas" e falar o que lhe vem à cabeça... Ah, isso não me parece certo. A gente também precisa analisar a época, afinal  quando Lobão fumava, todo mundo estava fumando, e o que ele diz muitas vezes convém com nossa realidade, por exemplo, o tal "movimento": Peidei, mas não fui eu... isso é BRASIL, infelizmente. Lobão já foi plagiado, injustiçado, e agora está sendo processado; o seu jeito sincero de ser já lhe rendeu e rende muitos altos e baixos, será que não nos falta um olhar mais musical? Será que não deveríamos parar de avaliá-lo apenas pela sua "rebelde conduta"?


Sim.... ia me esquecendo, Lobão estará no Teatro Riachulo. 



janeiro 17, 2011

Amar, verbo intransitivo







Estava com vergonha de publicar, mas minha amiga insistiu e postou no blog dela um texto meu. Então, aqui está:


Desde o ano passado venho a me perguntar qual o sentido desta frase: Amar, verbo intransitivo, sei bem que Mário tem um romance com esse título e sei, também, que existe um poema de Drummond com o mesmo nome, mas... sim, venho a me questionar há tempos sobre o significado disso, colocava-o sempre para o lado gramatical: intransitivo -> não precisa de complemento... Só que construí, assim, um significado muito vago, nada "bonito" sobre aquilo que me "atormentava" tanto... Pensei, muitas vezes, que o amor seria algo que não precisava de complemento - nada perspicaz -, só que o que havia presumido é de uma sensibilidade mínima, afinal, o concluído foi: ninguém precisa do outro para amar, ama-se, somente, acreditei que o que queria dizer tal frase, ou melhor, filosofia, era que a gente não precisa do outro, o amor acontece para um e não necessariamente para dois. Resumidamente, a ideia era amor platônico, isto é, o amor não precisa ser correspondido.
Tudo isso foi pensado ano passado, depois abandonei tal ideia, esqueci-a, mas um dia desses... Voltei a filosofar: Amar, verbo intransitivo.

(...)

Continue a ler em: Tosqueira

janeiro 16, 2011

Conto - A árvore e Lúcia

A árvore e Lúcia

Há uma árvore perto de casa. Às vezes, ela aparece com umas folhas amarelas... Às vezes, um pássaro fica nela. Gosto de olhá-la. Perco a noção do tempo quando olho.
Minha mãe é que se incomoda, parece até que tem algum problema ficar olhando a árvore. Parece até pecado. Minha mãe diz assim:
–– Que isso, menina? Vai ficar olhando essa árvore o dia todo? Credo em cruz.
Não disse... Parece até pecado. Não faço nada de mais, só fico olhando. Que mal há nisso? Fico olhando... É que ela muda tanto, o vento que bate nela muda tanto, tem tanta coisa pra ver, mas o tempo parece curto.
Lá vem minha mãe...
–– Pelo menos você está fazendo alguma coisa de diferente... Escrever também é interessante, minha filha. Mas tinha que escrever perto dessa árvore? Lúcia, por que toda essa fixação?
–– Não é fixação, mãe... É só vontade.
–– Vontade? Mas de quê?
–– De poder colocá-la num quadro.
–– Então, por que você não faz um desenho?
–– A senhora não entende.
Lá se vai minha mãezinha; ninguém entende. A árvore é muito especial para mim, muitíssimo. Quando digo isso às pessoas, sempre perguntam: por quê? Ora, não aguento mais explicar... Não sei direito expressar. Minha professora já até falou para mim:
–– Lúcia, você precisa deixar de ser tão tímida e falar melhor, entende?
–– Não é timidez. É vazio que sinto às vezes.
–– Vazio?
–– Vazio... Não encontro...
–– Não encontra?
–– É, assim como a senhora que fica repetindo as palavras que digo.
–– Tente não ser muito subjetiva, minha querida.
–– O que significa isso?
–– Quando a gente não vai direto ao ponto. Fica rodopiando com as palavras, sem dizer, de verdade, o que a gente quer dizer.
–– Ah... Obrigada.
–– Agora, menos vazio.
Quando disse isso, minha professora suspirou. O que fiz? – foi o que me perguntei – Nada – foi o que pensei.
Minha árvore... Ora, ela não é minha... Acho que ela é como a rua, pois minha mãe diz:
–– Ai... Essa gente, não deveria jogar lixo na rua; ela é pública!
Acho que árvore é pública. Mas se é pública, por que ninguém a publica?
Ora... Tenho que parar com isso. A minha professora diz que eu brinco demais com as palavras. Deve ser isso... Misturado com a tal da subjetividade. Isso faz de mim assim. Por ser assim as pessoas ficam me perguntando as coisas. Ai... Deus sabe que não aguento mais tantas perguntas. Não posso ser assim?! Mas só me encontrei assim. Vai ver... É o vazio.
Vazio... Só pensei direito nessa palavra quando a professora foi me fazer aquelas perguntas. Vazio tem muito significado. Vazio de palavras, vazio de coração, vazio de imaginação, vazio de árvore me dá até uma dor no coração.
Olho a árvore desde criancinha... Só que a cada dia parece que fico mais tempo olhando... Deve ser essa a preocupação da minha mãe. Se o tempo aumenta tanto assim... Talvez um dia eu não faça mais nada da vida... Fique só olhando a árvore. Será que minha mãe pensa que vou parar de estudar? Ou, sei lá, pensa que eu não vou mais nem tomar banho? Não sei. Mamãe é muito preocupada. Ela deveria olhar um pouco a árvore.
A árvore é muito especial, só que as pessoas, quando passam por ela nem notam, nem veem. As pessoas andam rápido, falam rápido, pensam rápido, tudo rápido. Até que entendo... Tenho medo do tempo. Não! Acho que não é medo do tempo, é medo de não dar tempo. O que acontece de diferente comigo é que em vez de ficar passando o olhar pelas coisas como as pessoas fazem, eu escolhi uma coisa para olhar: a árvore.
Pensei – podem todos discordar: eu gosto muito de minha arvorezinha que vejo crescer desde pequenininha, então olharei o quanto puder para ela.
Simples? Acho bastante simples. Entretanto, há um grande problema: minha árvore muda a cada instante. Tanta coisa acontece, as folhas caem, bichos a furam e a fazem de abrigo, pássaros pousam, formigas sobem; tanta coisa acontece o tempo inteiro e eu fico imensamente pequenina perto desses acontecimentos. Não vou poder apreciar-lhe tudo, não posso! Não tenho poder sobre ela, mas ela tem um poder sobre mim. Eu conheço muitos detalhes e marcas que ela possui. Conheço tantas coisas, mas as coisas vão se tornando poucas, pouquinhas, nada. Ela muda e não há como acompanhar todas as mudanças. Isso me entristece um pouco, mas também me incita – aprendi esta palavra ontem, gosto de ficar lendo dicionário –, pois eu posso sempre me surpreender e não torna o que tenho para olhar chato. É mágico poder saber que ela muda. É triste não poder sempre ver, mas eu escolhi algo, algo para apreciar. Os outros escolheram passar por ela e não dar atenção. Os outros têm um detalhe para falar de cada coisa da vida, eu tenho vários para falar da árvore.
–– Lúcia, venha jantar!
Até mais, árvore.
Hoje, cheguei da escola mais cedo, estava chovendo muito; tantos raios e trovões impossíveis de acompanhar, tanta fúria. Quando eu cheguei, minha árvore estava caída no chão. Dediquei tanto tempo a ela e no final eu nem posso observar sua queda. Minha mãe quando eu cheguei a casa estava com um olhar triste como se ela tivesse perdido algo. Pensei: perdi a queda! Ter perdido a queda não me sai do pensamento, eu não estou triste por causa da perda de minha árvore, porém por causa da perda de um momento muito importante.
–– Lúcia, no mundo há muitas árvores bonitas para se olhar.
–– Obrigada, mãe. Achei que a senhora não gostasse de me ver olhando a árvore.
–– Ela era importante.
–– Especial.
–– Sim, muito especial.
No dia seguinte, bem cedinho, minha mãe estava lá fora olhando a árvore – que foi muito educada não caindo no meio da rua, mas na calçada e não era na frente da casa de ninguém, mas na frente do muro da escola.
–– Mãe, o que a senhora está fazendo aí?
–– Filha, você já tinha visto essa espécie de formiga?

02-01-2010