dezembro 26, 2009

Pensamentos que me contém

O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa
 
Alberto Caeiro

Um olhar de Alberto Caeiro veio-me como um raio, depois de ler um texto bastante árcade...
Eu, tão habituada a louvar os versos de Álvaro de Campos, ouço seu mestre em meus ouvidos e penso nalguns versos:


Viver é, muitas vezes, somente olhar sem esperar mais nada além do que se vê.
Pois aquilo que se vê é o que é
E talvez o que é
seja o melhor, seja o que tem que ser


dezembro 25, 2009

Agradecimentos...

Este pedaço - maravilhoso pedaço - de ano que passei com todos meus caros amigos blogueiros/escritores/pintores/tudoquesepermiteaarte... Foi maravilhoso. Gostaria de agradecer a todos pelas visitas, seguimentos, comentários... Gosto muito quando consigo um tempinho para ler as coisinhas maravilhosas que se encontram pelos outros mundos, mundos diferentes, às vezes, semelhantes aos meus. 
Tudo que vivemos, amigos blogueiros, foi de extrema importância para meu processo de evolução. As coisas que li influenciaram-me, mudaram-me.
Como está no meu blog: a ARTE é recorte constante... 
Aqui, recortei-me, reinventei-me. 
Muito obrigada a todos.
Que o próximo ano seja repleto de muitas emoções, versobrincadeiras, encontros e arte, muitíssima arte para todos meus caros blogueiros. 


Beijos,
Ry.

dezembro 20, 2009

Voar...

Segue voando por outros lugares
Segue e conhece outros cantares
Não se fixe
Não se enrede
 Desvencilhe-se

Entregue-se
ao simples voar... 



Apresentação de Psykhé - MEU NOVO BLOG

Mais um convite... O nome é Psykhé 

Um blog feito para as questões de alma e questões da alma.
 
 
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Se eu tivesse respostas, mas minha alma anda muito confusa; minha alma tem o hábito de vagar sem destino por caminhos que encontro, por modelos...Porém não se decide. Não se fixa. Não parece gostar de nenhum modelo. 
Minha alma não pede refúgio, nem acalanto - não agora - minha alma pede caminho e vontade de segui-lo, minha alma pede destino.



William Waterhouse
 
Entre: Psykhé

dezembro 15, 2009

Mistère

Um novo blog está nascendo...


E  N  T  R  E  L  I  N  H  A  S 



Misteriosamente, seguir.

Recíproca, absolutamente, recíproca. Às vezes injusta, mas só às vezes. Sonha não muito alto, mas sonha. Capaz, completamente, capaz. Cheia de vontades, porém, querer não é poder. Reservada, não que pareça ser, mas é. Conhece todo mundo, mas não conhece ninguém. Todo mundo a conhece, mas não sabe como, exatamente, é. Julgada, mas também julga. Estudiosa, ou não. Carinhosa, toque brando pelo rosto. Beijos, sensualmente, pela boca. Abraço, brutalmente, delicioso. O que é viver? O que é amar? Não sabe. Apenas vive, e apenas ama. Curiosa ao que interessa, e se interessa, quer saber. Quando sabe? Nenhum espanto, a capacidade das pessoas está além de suas imaginações. Imagina, não muito, não gosta de ilusões. Sonhadora de pés no chão... Será que existe? Confuso. Entrelinhas. Alegria é seu sobrenome. Caso a tristeza bater na porta, pede pra dizer que não está. Pois está ocupada demais para ficar triste ou pensar nas coisas ruins da vida. Novamente confuso. Como ela consegue? Nem ela mesma sabe, só sabe que é assim. Dançar faz parte, intensamente, da sua vida. Acha que é uma arte. Suavemente ela dança pelo salão, encanta todos à vista. Gestos brandos nas mãos, passares, sedutores, nas pernas... Nas suas lindas pernas. Doce olhar, aparentemente. Sedutor em suas extremidades. Ela existe? Sorri ao perguntarem, porém, não os responde. Qual é o mistério? Cautelosa segue. Intromissões? Acontecem, porém, não são admitidas. Regras? Há uma: não as seguir. Quem é ela? Aquela que apenas é, sem explicações.  




Entre: E n t r e l i n h a s

dezembro 13, 2009

Felicidade Clandestina


Clarice Lispector
O Primeiro Beijo
São Paulo, Ed. Ática, 1996



Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. 

Tinha um busto enorme; enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não 

bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que 

qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
 Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade".
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.
Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar… Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.