Uma das principais fontes da Teoria Moderna do Direito é o Culturalismo Jurídico, no qual se situa o pensamento de Miguel Reale. A teoria defende que o Direito emana da Cultura – não está no sujeito nem no objeto, mas sim na teia de símbolos tecida pela sociedade ao longo da história; no amálgama de diversos valores, como resultado dessa fusão.
Para se chegar a essa afirmação é oportuno fazer um resgate histórico e comentar sobre a “briga” da verdade entre Sócrates e a Escola Sofista.
Os sofistas acreditavam que a verdade é relativa e circunstancial. Assim, quem possui a qualidade de convencer – a técnica da oratória, do discurso retórico – é o detentor da verdade. Isto num contexto de democracia. No entanto, os oradores perceberam o poder que tinham sobre o povo e passaram a agir de acordo com interesses pessoais. Até hoje é o que acontece, mesmo vivendo em um ambiente democrático, como defendia a Revolução Burguesa – ou Francesa. E é ainda pior, pois as técnicas de convencimento se aperfeiçoaram com a propaganda e o merchandising. A democracia do povo não existe. É uma ilusão.
Destaca-se que o relativismo da Escola Sofista não pode ser aceito no Interacionismo Simbólico. Este, afirma que não há luta entre qual valor será a verdade pela força, ou que todos os valores são verdades; afirma que é do contato entre os valores que surge uma nova valoração, além dos valores, transcendendo-os.
Sócrates não concordava com os Sofistas. Para ele a verdade se resume ao bem, ao belo e ao justo. De acordo com o filósofo, para se chegar ao conhecimento há duas fases: a primeira é a ironia – afirmar a ignorância por perguntas fundamentais, concluindo que “tudo sei é que nada sei”; A segunda e mais importante fase é a maiêutica – parir, conceber a verdade. Mas aqui está o grande “erro” de Sócrates como afirma Nietzsche e o distancia do Culturalismo Jurídico. Para o filósofo grego, a maiêutica é parir a verdade – o bem, o belo, o justo – que são pré-existentes, imutáveis e universais. Não são oriundos da Cultura, da diversidade dos símbolos da sociedade. Então, entende-se que a segunda fase concebe não um novo valor, mas um valor fixo predeterminado – o que nasce não é uma criança, é um adulto já formado!
Mesmo assim, o método socrático é importante, pois nega a verdade como sendo o discurso que convence, usando a retórica e baseando-se tão somente em estruturas lógicas. Este, que depois é positivado e vira norma – o Direito Positivo.
O pensamento de Sócrates é o embrião do Jusnaturalismo por considerar que exista uma verdade estática e eterna, na qual o Direito por conseqüência estaria inserido. O contato com a verdade é estabelecido por um “daimon”(espírito) que falava no ouvido do filósofo. Não era o espírito da Cultura.
No Culturalismo Jurídico, o Direito emana da interação social, do movimento, da relação, do contato, da criação; surge do diálogo entre os indivíduos com a sociedade, da dialética entre o sujeito e o objeto. O aforismo de Nietzsche comprova: “não existem fenômenos morais, mas uma interpretação moral dos fenômenos”.
Como criação, agora sim, a maiêutica de Sócrates pode parir o novo valor, a criança, pois o valor surge da interação dos símbolos, da fecunda interpretação criativa do fenômeno envolvendo toda a sociedade. Como afirma Nietzsche: “a maturidade do homem consiste em reencontrar a seriedade quando criança ao brincar”.
A Escola Culturalista com sua visão garante a existência da própria humanidade. Sim, sua existência pode ser discutida. Como afirma o poeta Fernando Pessoa, mais precisamente o heterônimo Alberto Caeiro:
Falaram-me em homens, em humanidade,
Mas eu nunca vi homens nem vi humanidade.
Vi vários homens assombrosamente diferentes entre si,
Cada um separado do outro por um espaço sem homens.
Ou seja, não há humanidade. O que se vê é um aglomerado de homens juntos, todos estranhos uns aos outros. Nem homens há, porque o homem só é homem enquanto inserido na sociedade. Fora dela, isolado, não é nada, o significado de ser homem não tem importância. O que se vê é a união de homens “assombrosamente diferentes entre si” motivada pela dominação, por fatores econômicos, não pela interação. Desde os primórdios da globalização, a intenção era buscar novos mercados, procurar outros povos apenas para comercializar, tirar matérias-primas, vender, controlar. A globalização pela violência resultou no óbvio: guerras, neocolonialismo, prepotência, sanções, terrorismo, xenofobia.
Com o Culturalismo Jurídico e o Interacionismo Simbólico, a humanidade é possível pela interação de todos os valores de diferentes sociedades para fazer erigir novos valores – tresvaloração de todos os valores, ir além do bem e do mal e possibilitar uma convivência ordenada. Nietzsche falava em novos filósofos, detentores do espírito livre – os chamados “além-do-homem” que permitiriam esse acontecimento.
A interação social se realiza pela arte da interpretação dos homens. A atividade artística é o laço que une definitivamente a humanidade – é a Cultura. A verdade não se encontra nem no sujeito, nem no objeto. Está no símbolo, no significado que surge a partir da interpretação do homem com a sociedade. Segundo Nietzsche: “não há forma na natureza, porque não há exterior nem interior. Toda arte nasce do espelho do olho”.
O Direito está situado segundo essa idéia na Cultura. E esta transcende a sociedade, é metafísica que emana do físico, do fenômeno; não é como a metafísica de Sócrates, da verdade(belo, bem e justo) pétrea. Há sempre criação de valores por diferentes interpretações dos fenômenos pela arte. E se a arte nada mais é que a busca do belo, da estética, retornamos a Sócrates, e a partir do belo é que surgem a verdade, o bem e o justo – sempre em mutação oriunda da sociedade, uma diferença fundamental do pensamento do filósofo grego.
Quanto à Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale, pode-se colocar questionamentos. Se o Direito é Cultura, e esta é formada por símbolos, e os signos são nada mais que a valoração surgida da relação social, o valor é preponderante sobre o fato e a norma. Então a “síntese integradora dialética” como o próprio Reale afirma, não é possível, visto que os três elementos não conseguem estar em harmonia, em equilíbrio.
De acordo com o Direito Alternativo, o Direito tem de ser mesmo valorativo, com a finalidade de alcançar uma sociedade de todos e para todos. Com isso, pode-se solucionar o problema político que se originou na democracia grega, com a ineficiência do sistema de governo. E foi novamente colocado pela Revolução Burguesa – configurando a reafirmação de uma mentira.
Com o valor acima do fato e da norma, possibilita-se vislumbrar a democracia do povo e da liberdade, com o Direito se fenomenalizando na intersubjetividade de todos os homens.
Pedro Henrique Taguchi,
acadêmico do curso de Direito da Universidade Estadual de Maringá