A árvore e Lúcia
Há uma árvore perto de casa. Às vezes, ela aparece com umas folhas amarelas... Às vezes, um pássaro fica nela. Gosto de olhá-la. Perco a noção do tempo quando olho.
Minha mãe é que se incomoda, parece até que tem algum problema ficar olhando a árvore. Parece até pecado. Minha mãe diz assim:
–– Que isso, menina? Vai ficar olhando essa árvore o dia todo? Credo em cruz.
Não disse... Parece até pecado. Não faço nada de mais, só fico olhando. Que mal há nisso? Fico olhando... É que ela muda tanto, o vento que bate nela muda tanto, tem tanta coisa pra ver, mas o tempo parece curto.
Lá vem minha mãe...
–– Pelo menos você está fazendo alguma coisa de diferente... Escrever também é interessante, minha filha. Mas tinha que escrever perto dessa árvore? Lúcia, por que toda essa fixação?
–– Não é fixação, mãe... É só vontade.
–– Vontade? Mas de quê?
–– De poder colocá-la num quadro.
–– Então, por que você não faz um desenho?
–– A senhora não entende.
Lá se vai minha mãezinha; ninguém entende. A árvore é muito especial para mim, muitíssimo. Quando digo isso às pessoas, sempre perguntam: por quê? Ora, não aguento mais explicar... Não sei direito expressar. Minha professora já até falou para mim:
–– Lúcia, você precisa deixar de ser tão tímida e falar melhor, entende?
–– Não é timidez. É vazio que sinto às vezes.
–– Vazio?
–– Vazio... Não encontro...
–– Não encontra?
–– É, assim como a senhora que fica repetindo as palavras que digo.
–– Tente não ser muito subjetiva, minha querida.
–– O que significa isso?
–– Quando a gente não vai direto ao ponto. Fica rodopiando com as palavras, sem dizer, de verdade, o que a gente quer dizer.
–– Ah... Obrigada.
–– Agora, menos vazio.
Quando disse isso, minha professora suspirou. O que fiz? – foi o que me perguntei – Nada – foi o que pensei.
Minha árvore... Ora, ela não é minha... Acho que ela é como a rua, pois minha mãe diz:
–– Ai... Essa gente, não deveria jogar lixo na rua; ela é pública!
Acho que árvore é pública. Mas se é pública, por que ninguém a publica?
Ora... Tenho que parar com isso. A minha professora diz que eu brinco demais com as palavras. Deve ser isso... Misturado com a tal da subjetividade. Isso faz de mim assim. Por ser assim as pessoas ficam me perguntando as coisas. Ai... Deus sabe que não aguento mais tantas perguntas. Não posso ser assim?! Mas só me encontrei assim. Vai ver... É o vazio.
Vazio... Só pensei direito nessa palavra quando a professora foi me fazer aquelas perguntas. Vazio tem muito significado. Vazio de palavras, vazio de coração, vazio de imaginação, vazio de árvore me dá até uma dor no coração.
Olho a árvore desde criancinha... Só que a cada dia parece que fico mais tempo olhando... Deve ser essa a preocupação da minha mãe. Se o tempo aumenta tanto assim... Talvez um dia eu não faça mais nada da vida... Fique só olhando a árvore. Será que minha mãe pensa que vou parar de estudar? Ou, sei lá, pensa que eu não vou mais nem tomar banho? Não sei. Mamãe é muito preocupada. Ela deveria olhar um pouco a árvore.
A árvore é muito especial, só que as pessoas, quando passam por ela nem notam, nem veem. As pessoas andam rápido, falam rápido, pensam rápido, tudo rápido. Até que entendo... Tenho medo do tempo. Não! Acho que não é medo do tempo, é medo de não dar tempo. O que acontece de diferente comigo é que em vez de ficar passando o olhar pelas coisas como as pessoas fazem, eu escolhi uma coisa para olhar: a árvore.
Pensei – podem todos discordar: eu gosto muito de minha arvorezinha que vejo crescer desde pequenininha, então olharei o quanto puder para ela.
Simples? Acho bastante simples. Entretanto, há um grande problema: minha árvore muda a cada instante. Tanta coisa acontece, as folhas caem, bichos a furam e a fazem de abrigo, pássaros pousam, formigas sobem; tanta coisa acontece o tempo inteiro e eu fico imensamente pequenina perto desses acontecimentos. Não vou poder apreciar-lhe tudo, não posso! Não tenho poder sobre ela, mas ela tem um poder sobre mim. Eu conheço muitos detalhes e marcas que ela possui. Conheço tantas coisas, mas as coisas vão se tornando poucas, pouquinhas, nada. Ela muda e não há como acompanhar todas as mudanças. Isso me entristece um pouco, mas também me incita – aprendi esta palavra ontem, gosto de ficar lendo dicionário –, pois eu posso sempre me surpreender e não torna o que tenho para olhar chato. É mágico poder saber que ela muda. É triste não poder sempre ver, mas eu escolhi algo, algo para apreciar. Os outros escolheram passar por ela e não dar atenção. Os outros têm um detalhe para falar de cada coisa da vida, eu tenho vários para falar da árvore.
–– Lúcia, venha jantar!
Até mais, árvore.
Hoje, cheguei da escola mais cedo, estava chovendo muito; tantos raios e trovões impossíveis de acompanhar, tanta fúria. Quando eu cheguei, minha árvore estava caída no chão. Dediquei tanto tempo a ela e no final eu nem posso observar sua queda. Minha mãe quando eu cheguei a casa estava com um olhar triste como se ela tivesse perdido algo. Pensei: perdi a queda! Ter perdido a queda não me sai do pensamento, eu não estou triste por causa da perda de minha árvore, porém por causa da perda de um momento muito importante.
–– Lúcia, no mundo há muitas árvores bonitas para se olhar.
–– Obrigada, mãe. Achei que a senhora não gostasse de me ver olhando a árvore.
–– Ela era importante.
–– Especial.
–– Sim, muito especial.
No dia seguinte, bem cedinho, minha mãe estava lá fora olhando a árvore – que foi muito educada não caindo no meio da rua, mas na calçada e não era na frente da casa de ninguém, mas na frente do muro da escola.
–– Mãe, o que a senhora está fazendo aí?
–– Filha, você já tinha visto essa espécie de formiga?